colunista do impresso

Carta ao meu neto

style="width: 100%;" data-filename="retriever">

Meu querido neto.

Sua geração talvez só conheça uma carta nos livros de história. Nem sei se teus pais algum dia as escreveram. No meu tempo, era um dos meios de comunicação mais utilizados. Ainda guardo cartas de sua bisavó e até aquelas que eu e seu avô trocamos antes de nos casarmos.

Pois bem, resolvi escrever essa carta para você. Só que ela é diferente das antigas. Por dois motivos: um, por ser uma carta "pública", e outro, porque você só vai conhecer a sua mensagem quando estiver mais maduro e com condições de entender seu conteúdo.

Estamos passando por uma fase difícil e a mais triste de nossas vidas. Não sei até que ponto você está entendendo o porquê de suas "férias forçadas" e "prisão domiciliar", sendo impedido de ver seus colegas, amigos e os outros membros da família. Talvez ainda não tenha percebido a dimensão desse fato, pois tem à sua disposição recursos tecnológicos que domina com muita familiaridade e que ameniza esse isolamento.

Para sua avó, as coisas são diferentes. A necessidade de sentir seu abraço, ouvir sua voz e suas risadas, conversar e brincar contigo vai muito além do que um aparelho pode oferecer. Acontece que você não tem pressa, pois acha que tem todo o tempo do mundo, mas, para a vovó, esse tempo é curto e longo ao mesmo tempo. Curto porque estou há muitos anos nessa vida, cinco vezes mais do que você. E longo, porque os dias, de repente, demoram muito para passar. O chamado isolamento social que nos foi imposto trouxe uma sensação de lentidão.

Queria falar de meu amor por você e dizer que os meses em que ficaremos separados são momentos felizes que estão sendo furtados na minha vida. Porém, existem situações piores ainda. Sabe meu neto, existem avós que precisam pedir para um juiz obrigar aos pais a deixarem eles se encontrarem com os netos. Na minha profissão, tenho visto situações muito tristes no que chamamos de "alienação parental". Essa conduta de alguns pais tem por objetivo afastar as crianças de seus entes queridos. Às vezes, por egoísmo, e outras, por vingança.

Agora, porém, o que está separando os netos dos avós é uma regra imposta, mas com um motivo nobre, pois visa proteger os próprios idosos. Nossos netos, nosso maior tesouro, surpreendentemente passaram a ser uma ameaça e um perigo à nossa saúde.

Assim, para nós, resta esperar o tempo passar, reduzindo ainda mais a nossa vida e abrindo uma lacuna dentro dela. Enquanto isso, ficamos à espera do dia em que pudermos nos reencontrar e que estejamos todos bem, sem perdas nem sofrimentos.

Sufocaremos nossa saudade num apertado abraço, quando sei que me surpreenderei com a estatura que certamente você terá somado no seu corpinho de menino.

Na esperança de que esse dia venha efetivamente acontecer, despeço-me ao modo antigo das cartas, desejando que o anjo da guarda lhe proteja, e que ele seja um cúmplice nos encontros secretos que teremos dentro dos nossos sonhos.

Daquela que um dia você definiu como sua "amiga mais velha".

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Embasbacamento Anterior

Embasbacamento

Paternidade: o que devo escrever? Próximo

Paternidade: o que devo escrever?

Colunistas do Impresso